Le Moulin de La Galette
Pierre-Auguste Renoir
(Baile no “Moulin de La Galette”), 1876
Óleo sobre tela,
131 x 175 cm
Paris, Musée d´Orsay
Pierre-Auguste Renoir
(Baile no “Moulin de La Galette”), 1876
Óleo sobre tela,
131 x 175 cm
Paris, Musée d´Orsay
Nunca achei que fosse possível. E quem acharia? Mas hoje me perdi de um modo que nunca pensei que poderia. Foi em Paris... não na Champs Elysées, no Jardin de Tuileries ou alguma rua de Montmartre. Me perdi num baile no Moulin de La Galette, um baile de música tão alegre que logo me encheu de imensa alegria como sempre imaginei que seria Paris: como uma festa. Como seus habitantes - que eu conhecia de livros, filmes e quadros - a descreviam. Como Renoir pintava seus quadros e achava que a arte deveria ser (ou a vida).
E eu estava na França ainda, mas no ano de 1876, tempo em que as mulheres ainda usavam longos vestidos rodados e coloridos. Arrastando-me pela noite e abrindo espaço entre as pessoas, fui seguindo as luzes brilhantes e os tecidos esvoaçantes das saias das belas mulheres de faces rosadas. Conforme caminhava, não sabia bem para onde ir e, logo eu, que sempre me preocupava em planejar, ter um objetivo, horários, estava perdido em outro país, outro século, talvez até em outra vida...
Mas nada me impressionava (com o perdão do trocadilho) tanto quanto aquelas figuras meio borradas que pareciam se dissolver conforme eu me aproximava delas. Tantas histórias em seus olhares: uma jovem dançava com um bem vestido senhor que a segurava firme, mas não conseguia impedir que seu olhar mirasse algo que não estava ali e, por mais que eu também tentasse descobrir, só ela mesma poderia saber o que merecia tanta atenção daquele distante par de olhos. As vozes das pessoas se misturavam à canção da qual pouco eu pouco entendia entre os “cherrie”, “amoureux”, “lendemain” e “toujours”. As moças me encantavam, as luzes e cores me cegavam até que, quando eu percebi, eu estava ao lado de uma mesa onde um homem, alheio à música e a alegria das pessoas dançando, preocupava-se com Montaigne e ainda assim merecia a atenção de duas moças que de filosofia pouco sabiam, mas de gestos e olhares entendiam bem.
Tudo era muito agradável, mas eu precisava sair dali e não sabia como. Ao longe, avistei a porta e, enquanto caminhava em sua direção, fui abordado por uma bela moça de longos cabelos ruivos que me dizia em seu belo sotaque “Bon soir, monsieur!”. Depois de um pouco gaguejar, disse meio baixinho “Très bien, merci!” mas, depois de observá-la por alguns segundos, percebi que ela também se dissolvia, então retomei a decisão de deixar o lugar. Enquanto me esgueirava pela porta, ainda ouvi-a dizer “À toute à l´heure” e depois de me sentir meio arremessado, notei que eu estava em pé e meus olhos se abriam devagar (até então não havia percebido que eles estavam fechados). Ao abri-los, percebi que eu estava num grande salão entre quatro paredes brancas com pouca luz, exceto em alguns pontos em que haviam paisagens e pessoas materializadas em muitas cores sob a forma de quadros. Então percebi que o tempo todo havia estado onde começava a me recordar de ter entrado pela manhã: o Musée d´Orsay, bem diante do quadro de Renoir “Le Moulin de La Galette”.
Ainda sem compreender bem, fui me recordando que me contaram de um dia em que faltou preto. Não se sabe se fazia sol ou chuva. Mas faltava o preto. Mas, se o preto era a ausência de cor, que falta poderia fazer? Mas foi preciso que faltasse o que já não fazia falta, sem que se soubesse, para se perceber que da ausência do que já é ausência (de cor) surgiria o impressionismo. E não poderia haver outro nome para definir. Ao mergulhar nessas cores, não há como não se perder.
Entre cores, luzes e sombras, entre azuis, vermelhos e amarelos fui arrebatado e levado para dentro de uma tela que, depois das rápidas pinceladas de Renoir, nunca mais foi somente uma tela. Não preciso de mais nada: calendários, relógios, planos ou idéias. Me perder já basta. Destes quadros pintados entre a dor (de suas mãos) e a alegria (de suas cores) nada mais peço além da permissão de observá-los por uns instantes e a licença para me perder.
Sim, Paris sempre será uma festa. Enquanto existirem museus, quadros de Renoir e a paixão com que sempre pintou seus quadros me transportando aos lugares em que ele próprio esteve.
E eu estava na França ainda, mas no ano de 1876, tempo em que as mulheres ainda usavam longos vestidos rodados e coloridos. Arrastando-me pela noite e abrindo espaço entre as pessoas, fui seguindo as luzes brilhantes e os tecidos esvoaçantes das saias das belas mulheres de faces rosadas. Conforme caminhava, não sabia bem para onde ir e, logo eu, que sempre me preocupava em planejar, ter um objetivo, horários, estava perdido em outro país, outro século, talvez até em outra vida...
Mas nada me impressionava (com o perdão do trocadilho) tanto quanto aquelas figuras meio borradas que pareciam se dissolver conforme eu me aproximava delas. Tantas histórias em seus olhares: uma jovem dançava com um bem vestido senhor que a segurava firme, mas não conseguia impedir que seu olhar mirasse algo que não estava ali e, por mais que eu também tentasse descobrir, só ela mesma poderia saber o que merecia tanta atenção daquele distante par de olhos. As vozes das pessoas se misturavam à canção da qual pouco eu pouco entendia entre os “cherrie”, “amoureux”, “lendemain” e “toujours”. As moças me encantavam, as luzes e cores me cegavam até que, quando eu percebi, eu estava ao lado de uma mesa onde um homem, alheio à música e a alegria das pessoas dançando, preocupava-se com Montaigne e ainda assim merecia a atenção de duas moças que de filosofia pouco sabiam, mas de gestos e olhares entendiam bem.
Tudo era muito agradável, mas eu precisava sair dali e não sabia como. Ao longe, avistei a porta e, enquanto caminhava em sua direção, fui abordado por uma bela moça de longos cabelos ruivos que me dizia em seu belo sotaque “Bon soir, monsieur!”. Depois de um pouco gaguejar, disse meio baixinho “Très bien, merci!” mas, depois de observá-la por alguns segundos, percebi que ela também se dissolvia, então retomei a decisão de deixar o lugar. Enquanto me esgueirava pela porta, ainda ouvi-a dizer “À toute à l´heure” e depois de me sentir meio arremessado, notei que eu estava em pé e meus olhos se abriam devagar (até então não havia percebido que eles estavam fechados). Ao abri-los, percebi que eu estava num grande salão entre quatro paredes brancas com pouca luz, exceto em alguns pontos em que haviam paisagens e pessoas materializadas em muitas cores sob a forma de quadros. Então percebi que o tempo todo havia estado onde começava a me recordar de ter entrado pela manhã: o Musée d´Orsay, bem diante do quadro de Renoir “Le Moulin de La Galette”.
Ainda sem compreender bem, fui me recordando que me contaram de um dia em que faltou preto. Não se sabe se fazia sol ou chuva. Mas faltava o preto. Mas, se o preto era a ausência de cor, que falta poderia fazer? Mas foi preciso que faltasse o que já não fazia falta, sem que se soubesse, para se perceber que da ausência do que já é ausência (de cor) surgiria o impressionismo. E não poderia haver outro nome para definir. Ao mergulhar nessas cores, não há como não se perder.
Entre cores, luzes e sombras, entre azuis, vermelhos e amarelos fui arrebatado e levado para dentro de uma tela que, depois das rápidas pinceladas de Renoir, nunca mais foi somente uma tela. Não preciso de mais nada: calendários, relógios, planos ou idéias. Me perder já basta. Destes quadros pintados entre a dor (de suas mãos) e a alegria (de suas cores) nada mais peço além da permissão de observá-los por uns instantes e a licença para me perder.
Sim, Paris sempre será uma festa. Enquanto existirem museus, quadros de Renoir e a paixão com que sempre pintou seus quadros me transportando aos lugares em que ele próprio esteve.
4 comentários:
Essa do preto foi boa, hein! Ótimo texto. Eu prefiro Toulouse Lautrec. Qualquer dia desses também irei a Paris, e farei uma visitinha ao Moulin Rouge. Pego um táxi, mando-o seguir pra zona de Pigalle e, ao pé de Montmartre, ali no Boulevard de Clichy, retorno ao ambiente boêmio da Belle Époque, e me delicio com as dançarinas de cancan...
texto excelente, muito bom saber da existência desse espaço por aqui.
O post me fez lembrar aquele filme do Kurosawa em que o homem observa o quadro de tal modo a ponto de se inserir nele (só que o quadro era do Van Gogh...rs)
Não acredito que ainda não comentei isso! Poxa, adorei esse texto! Impressionismo é bom demais, e Renoir sempre me lembra a mocinha :)
bjo!
Conforme caminhava você não sabia bem por onde ir, mas os leitores foram com você e certamente se perderam... e se encontraram... e se admiraram... Ora por suas letras, ora pelas descrições!!!
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