Silêncio. O tic-tac do relógio anuncia que são 20 horas e 48 minutos. Ela ouve passos lá fora e caminha silenciosamente em direção à porta quando três fortes batidas a assustam. Nem é preciso abrir para reconhecer a força daquelas batidas. Ela abre a porta enquanto ele joga o cigarro no chão, esmagando-o com os sapatos surrados. Levanta os olhos e parece que vai balbuciar algo, um “boa noite”, talvez, mas não diz nada. Nem ela. As palavras não se formam. São apenas um emaranhado de letras dentro da boca que não conseguem se encontrar. Num gesto, ela o convida a se sentar. A cadeira balança um pouco a cada movimento. “Tem que mandar consertar” – ele diz. Ela oferece um café. “Acabou o açúcar” – lembra. Ele diz que não tem importância. Os minutos se arrastam nos tic-tacs do velho relógio – lembrança da avó. O tempo parava quando ele enchia a casa com seus ruídos, cada segundo parecia eterno, os momentos divididos, as músicas cantadas juntos, as roupas misturadas no guarda-roupa e o cheiro dele sempre impregnado nas suas coisas. Agora o tempo se arrasta não importa onde ele esteja, a casa não tem mais o mesmo cheiro, não há CDs espalhados, ela nem se lembra mais do som da gaita que ele costumava tocar. Ele brinca com a xícara, e ela não sabe se deve se sentar. O silêncio tão habitual, hoje incomoda e ela desesperadamente procura as palavras que por todos esses anos ela tentou organizar, esperando o dia em que ele voltasse.
E havia tanto a ser dito, todas aquelas coisas que estavam na ponta da língua, pareciam tão óbvias, mas ele não poderia ver. Talvez estivesse perto demais, ou longe demais, ela nunca sabia ao certo. Ela só queria que ele soubesse que aquele poema escrito a lápis no caderno cor-de-rosa (aquele que diz “Te li no meu romance, te escrevi, te derreti no ardor dos meus sonhos…”) era da Elisa, mas a Elisa sabia que era pra ela dizer no ouvido dele no meio da noite. Porque ele é o único destinatário dos seus sussurros noturnos ao observar a lua se esconder por trás dos edifícios. E ela só queria deitar em seu peito, e escutar baixinho uma canção dos Beatles, tocar gymnopedies no piano, e cantar baixinho aquela velha canção do Neil Young e depois que ele cantasse para ela uma de Vinícius.
A campainha toca novamente. Ao abrir os olhos ela percebe que o que ela pensou ser a campainha era, na verdade, o despertador. E mais uma vez ela enxuga a lágrima fina de seus olhos e se levanta para um novo dia.
Um comentário:
Ai, e tem coisa mais desesperadora que o silêncio? Essa sensação de ter mil coisas a dizer, mil poemas a revelar... e nada, não sai nada, nenhuma palavra certa... sinceramente não sei o que é pior: o engasgo, essa maldita falta de palavras, a adequação à falta... ou o despertar para a realidade solitária, ímpar e silente...
Belo texto. Real demais.
Bjo, moça talentosa!!
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